Wednesday 12 September 2012

O Problema do Bem


O número de horas dispendidas por filósofos a analisar e a escrever sobre o “problema do mal” é certamente astronómico. Eu próprio já dediquei muito tempo à questão, incluindo o segundo capítulo do meu livro, “The Existence of God and the Faith-Instinct”. Mas o que é praticamente ignorado pela filosofia é o problema do bem. Provavelmente a maioria das pessoas nem percebe que o problema existe, e que é enorme.

No meu livro subdivido o problema do mal em três categorias – males naturais, como tsunamis e sismos; males morais, como os terríveis massacres de pessoas inocentes; e sofrimentos físicos/psiquicos, como doenças e deficiências hereditárias, do género da doença de Huntington e anemia falciforme.

O problema do bem pode ser subdividido de forma semelhante:

Bens Naturais
Nesta lista incluem-se certamente os bens perenes na natureza, inspiração de poetas: A beleza do mundo natural. As belezas de terra e do mar que são de cortar a respiração, como a fauna e a flora, tão variadas.

Nós que vivemos na era moderna também beneficiámos das fantásticas descobertas científicas dos últimos dois séculos, que nos revelaram a harmonia complexa do mundo microscópico, de quarks a ADN e células estaminais; as leis da física que tornam possivel a investigação do cosmos e o envio de sondas para outros planetas e sistemas solares, e até a complexidade das variáveis que surgiram depois do “big bang”, que nos colocam num universo que parece ter sido criado à medida para a produção e protecção de vida humana, até ao detalhe da nossa localização na Via Láctea e no sistema solar.

E no reino da “poesia” do dia-a-dia, quem pode explicar a beleza e a inocência de bebés e crianças, preservada – espera-se – pelos adultos encarregados de cuidar deles? Ou a beleza assombrosa do sexo oposto, causadora de ocasionais “distracções” bem como momentos de contemplação estética e, para os sortudos, as maravilhas do amor romântico, pelo qual, inesperadamente, uma pessoa, ignorando as nossas evidentes falhas e imperfeições, nos acha suficientemente atraentes para querer passar o resto da vida na nossa companhia.

Bens Morais
Charles Darwin encarava a existência de monstruosidades e parasitas nos organismos como prova da natureza aleatória dos desenvolvimentos evolutivos. Mas o oposto também carece de explicação.

Os psicólogos evolucionistas esforçam-se para compreender como é que “genes egoistas” e “memes” e todos os desenvolvimentos casuais que conduzem à “sobrevivência dos mais fortes” determinam o quase incompreensível amor de mães e pais – bem como a preocupação de outras pessoas nas nossas vidas que parecem impelidas por um instinto irreprimível de se sacrificarem para o nosso bem; e as mãos amigas, dispostas a ajudar-nos a sair de tempos difíceis e situações precárias (algumas das quais criadas por nós mesmos).

Vezes e vezes sem conta ouvimos nas notícias, e às vezes vemos, casos de indivíduos que sacrificam as suas próprias vidas, de forma heróica e inexplicavel de um ponto de vista evolutivo, para salvar outros, por vezes pessoas que nem conhecem. E as teorias evolucionárias sobre a solidariedade recíproca e de grupo servem de pouco quando se trata de explicar a paciência e o bom-humor dos doentes, deficientes e idosos, que tantas vezes sofrem em silêncio de doenças dolorosas ou deficiências graves.

Bens Físicos/Psíquicos
As extraordinárias curas, “remissões” e melhoras que os médicos, os média e as pessoas em geral apelidam de “milagrosas” - milagres naturais – são prova da incrível capacidade que a vida e os sistemas imunitários têm de ultrapassar desafios aparentemente insuperáveis.

E não esqueçamos os próprios sinais corporais de dor e sofrimentos, sem os quais não seríamos capazes de diagnosticar e remediar as perturbações do nosso corpo e da nossa mente.

Ao nível psíquico, as nossas vidas sustentam-se, basicamente, nas alegrias do amor e da amizade, e a partilha construtiva de ideias e ideais que podem ter lugar no momento e no lugar certo, conduzindo a melhorias intelectuais incomensuráveis.

Podemos adicionar a esta lista o transcendente – aqueles momentos raros – mas bem-vindos, de alegria que chegam de forma inesperada, que por vezes são mesmo experiências religiosas, mas sobretudo, há a realização de que, por alguma estranha razão, Deus quis partilhar connosco a sua vida divina e estava mesmo disposto a enviar o seu Filho para se fazer homem, viver e morrer entre nós para que nós, por sua vez, pudessemos ser divinizados.
Beleza natural
Resumindo, embora o mal receba o grosso da publicidade, os filhos de Adão e Eva entram neste mundo com uma consciência do bem e do mal.

De um lado encontramos a Natureza com as suas revoltas imprevisíveis, crua e bruta. Do outro, o maravilhoso ordenamento das leis da física, que conduziram à existência do Ser Humano num planeta de tão grande beleza.

Sentímo-nos chocados pelas atrocidades de que lemos nas notícias, confirmando a crença de que homo homini lupus (os homens são lobos uns para com os outros), mas também nos consolamos com as estranhas histórias de amor e sacrifício por parte de pessoas que parecem mesmo pertencer a outra espécie.

Confundem-nos os casos trágicos de doença hereditária e de pandemias que as ciências médicas ainda não conseguiram combater, mas achamos igualmente incompreensíveis as histórias que confirmam as capacidades humanas fenomenais da homeostasia.

É verdadeiramente chocante e triste que haja tanto mal no mundo. Mas se pensarmos bem a existência de tanto bem também é estranho e fascinante. De facto, a quantidade de bem é misteriosa e esse mistério aumenta com os avanços da ciência moderna.

A verdadeira resposta, mesmo para os mais melancólicos, talvez seja sentarmo-nos de vez em quando, esquecer as nossas dificuldades e pensar como é possível existir tanto bem no mundo.

Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na Universidade de Marquette University. Os seus mais recentes livros incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination (2004), The Philosophy of Human Nature (2008), e (2010)

(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 6 de Setembro de 2012 em www.thecatholicthing.org)

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