Thursday 17 October 2013

“Problema do Cristianismo europeu é ter perdido a transcendência”

Transcrição integral da entrevista com Helena Vilaça sobre o colóquio “Da Evangelização de África à África Evangelizadora – Mediações Evangelizadoras em África e a Partir de África”. Notícia aqui.

Qual o objectivo do colóquio?
É reflectir sobre as diferentes modalidades da evangelização em África, desde os seus frágeis inícios até ao forte incremento verificado a partir do século XIX e deste até à actualidade pós-colonial, e globalizada, e tentar perceber a respectiva interacção com outros domínios da realidade africana.

Nós sabemos que desde os primeiros contactos que a presença europeia em África se fez acompanhar por campanhas missionárias assegurada num primeiro momento pelas ordens e congregações religiosas católicas, e essa acção missionária vai lentamente obtendo resultados que se traduzem de uma forma mais estável e institucionalizada nas dioceses que vão sendo criadas e instaladas. Isso é um indicador importante.

Este congresso tem um registo que é bastante histórico, até porque o que se tenciona é evidenciar o conjunto de produções e de pesquisas realizadas a partir dos arquivos missionários e será também um ponto de partida para ir à descoberta de arquivos que não foram ainda explorados e estabelecer, por exemplo, um protocolo entre as congregações religiosas e a academia, e a universidade. E quando digo a universidade não estou a pensar unicamente nos investigadores portugueses, o Brasil está a manifestar um grande interesse por este congresso e por toda a documentação que existe nesta área das missões.

Mas também, ao mesmo tempo, queremos perceber as transformações mais recentes que se estão a operar em África. Ao entrar no século XX apenas 10% de África era cristã, hoje podemos dizer que cerca de metade de África é cristã. Esse sucesso de expansão, curiosamente, resultou de muitos africanos convertidos se terem transformado em missionários.

O cristianismo é uma religião muito plástica, no sentido em que se adapta às culturas, o que não significa abdicar da ortodoxia do ponto de vista doutrinário, às vezes sim, mas grande parte das vezes não, mas do ponto de vista cultural e formal o Cristianismo é profundamente plástico e curiosamente um dos factores que contribuiu para isto foi a primeira guerra mundial e o retorno de muitos missionários à Europa durante esse período. Isso fez com que o Cristianismo africano crescesse e mais recentemente a forte expansão pentecostal e neopentecostal que se foi sentindo desde finais do século XX. Já desde o século XIX que a par das missões católicas, as mais antigas, houve trabalho missionário protestante.

Outro aspecto contemporâneo é que a missão europeia em África hoje encontrou novas estratégias, que reflectem o que a Europa e o Ocidente são. Estão menos centradas na evangelização do ponto de vista de anunciar a mensagem e mais em obras sociais enquadrando isso em ONGs. Muitos dos leigos que vão para África fazem um trabalho social, menos preocupados com a missionação. O que é interessante é que o que está a vir de África para cá é um espírito profundamente evangelizador. Muitos cristãos que vêm para a Europa, sejam católicos ou evangélicos, sentem que têm a obrigação de actuar num meio que está descristianizado.

Isto pode sentir-se no mundo católico, por exemplo nos movimentos carismáticos, mas também na presença de padres que têm vindo para cá e o seu trabalho em paróquias normais. Ao mesmo tempo temos as igrejas africanas, de língua portuguesa ou de língua inglesa, a Nigéria tem uma grande igreja evangélica, pentecostal, em Londres. Eles sentem a necessidade de contribuir para esta Europa que está secularizada.
Arcebispo John Sentamu, à esquerda,
número 2 da Igreja Anglicana

O Papa Francisco falou no perigo de se confundir a Igreja com uma ONG, precisamente. Essa nova dimensão da missão cristã ocidental enfraquece a mensagem?
Sem dúvida. No fundo esse tipo de estratégia reflecte aquilo que as próprias igrejas fizeram na Europa. Grande parte das igrejas na Europa, incluindo a católica, abdicaram de uma certa intervenção na esfera pública, no sentido de anunciar a mensagem claramente, cingindo-se ao trabalho social, que é fundamental, sem dúvida, mas em muitos sítios o discurso foi muito imanente. Um dos problemas do Cristianismo europeu é ter perdido a transcendência, ou ter abdicado de anunciar uma mensagem que tem a ver com a transcendência.

Sabe-se que na Igreja Católica há muitos padres e missionários que estão agora a vir para a Europa, invertendo a lógica missionária. Aplica-se o mesmo noutras confissões cristãs?
Sim, isso começa a notar-se. Entra-se em igrejas protestantes, e falo de protestantes históricos, ligados à reforma, ou a Igreja anglicana, e nota-se que se estão a tornar pluriétnicas e isso tem contribuído em muito para a vitalidade de algumas igrejas que até estavam bastante amorfas, e por outro lado até temos as igrejas evangélicas, dentro do protestantismo evangélico, as chamadas igrejas livres, que crescem por todos os lados, e que têm uma componente étnica, mas também de missionação dos portugueses, que é um trabalho que não é feito pelos portugueses, porque os europeus cristãos conformaram-se com a ideia de que a religião tinha de ficar apenas na esfera privada, e esse discurso continua, mesmo que Bento XVI tenha chamado a atenção para a nova evangelização.

Qual é a estratégia da nova evangelização? Vê-se pouco, em termos práticos. A Igreja em Portugal tem feito um trabalho com algum sucesso junto das elites culturais, por exemplo a questão do Pátio dos Gentios, mas ainda não percebi, tanto quanto tenho pesquisado, qual é a agenda de uma evangelização para as pessoas comuns.

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