Friday 20 September 2013

Reflexões sobre a “grande entrevista” do Papa

Ontem, entre tomar conhecimento da entrevista do Papa (no instante em que saiu, graças ao twitter), ler, sublinhar as partes importantes e fazer os dois textos para a Renascença, não restou muito tempo para reflectir a fundo sobre o seu conteúdo.

Claro que a principal “notícia” na entrevista foi o que o Papa disse sobre aborto, homossexualidade e contracepção. A citação completa é esta: “Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente.”

Alguns criticaram a imprensa que escolheu dizer que o Papa tinha sugerido que a Igreja está obcecada por estes temas. De facto, seria melhor escrever que o Papa lamenta que “pareça” que a Igreja está obcecada por estes temas. Mas o vocabulário que ele usa sugere, de facto, a ideia de obsessão.

Para começar, parece-me que o Papa atira ligeiramente ao lado com o que diz. É mesmo a Igreja que parece obcecada com estes assuntos? É que normalmente quem eu vejo a falar insistentemente de aborto, casamento homossexual e contracepção são as pessoas que querem mudar os ensinamentos da Igreja. Qual foi a última vez que ouviram um padre, numa homilia por exemplo, a abordar estes temas?

Mas não acho que isso seja o mais importante. Para mim estas palavras têm de ser lidas à luz da imagem que o Papa dá do “hospital de campanha”.

“Aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo.”

A meu ver, o que o Papa está a dizer é que os fenómenos como o aborto, o casamento homossexual e a mentalidade contraceptiva mais não são que sintomas de uma “doença” muito mais grave. O que é preciso é curar essa doença. Não adianta só pregar contra o aborto se não pregarmos também contra a mentalidade que encoraja as pessoas a verem a vida humana como descartável, para usar um termo que o próprio Papa adoptou ainda hoje.

De resto, a entrevista tem muita coisa riquíssima, mas há um detalhe que penso que não tem merecido a devida atenção. Reparem nesta citação: “Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?”

Alguns interpretaram isto como se o Papa estivesse a dizer que agora os padres podem absolver mulheres que abortaram e estão arrependidas, como se isso fosse uma grande novidade. Mas há aqui um detalhe que poderá apontar noutro sentido.

É que no cenário que o Papa apresenta, esta mulher não se poderia confessar de todo, uma vez que vive num segundo casamento. A não ser que viva com o seu novo marido “como irmãos”, o que sendo possível não é provável, se não tem intenção de sair dessa relação, na qual tem cinco filhos, não se pode confessar e por isso também não pode ser absolvida pelo pecado do aborto, uma vez que não se podem fazer confissões selectivas.

Posso estar enganado, mas não estará o Papa a dar aqui uma “achega” para a tal reflexão que quer promover sobre o casamento e as segundas uniões? Não quero deduzir nada, nem o Papa dá uma resposta, termina antes com uma pergunta, mas é certamente um tema que ainda vai dar muito que falar.

Filipe d'Avillez

1 comment:

  1. "Para começar, parece-me que o Papa atira ligeiramente ao lado com o que diz.".... Para começar, parece-me que o Papa atira bem ao centro. Excelente exemplo da estranha obsessão são os artigos do seu próprio blog e os de The Catholic Thing, o forum de opinião "católica" idiota e francamente embiocada.
    João

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